1. OBJETIVO:
O tema aqui tratado é o Casamento Religioso com Efeito Civil no âmbito das Igrejas Protestantes.
A motivação para abordar esse tema decorre da constatação, em inúmeros casamentos religiosos, da inobservância das exigências legais, acarretando nulidades.
Este estudo tem o objetivo ainda de alertar sobre a obrigatoriedade do registro do casamento religioso junto ao cartório, a fim de que produza os efeitos jurídicos pertinentes.
A ausência do registro pode gerar prejuízos futuros, pois muitos casais são surpreendidos ao descobrir que, apesar de terem celebrado uma cerimônia religiosa, continuam solteiros perante a lei.
2. LEGISLAÇÃO – CASAMENTO RELIGIOSO NO BRASIL:
Para compreender como o casamento religioso pode produzir efeitos civis, é necessário analisar a história legislativa do Brasil sobre o tema.
Durante o período colonial, o país seguia a legislação portuguesa, incluindo as Ordenações Afonsinas (vigentes até 1512), as Ordenações Manuelinas (de 1513 a 1603) e as Ordenações Filipinas (de 1603 até 1830, quando parte delas foi revogada pelo Código Penal do Império).
A Constituição Política do Império do Brasil de 1824 estabelecia o catolicismo como religião oficial do país. Nessa época, apenas casamentos celebrados pela Igreja Católica eram reconhecidos.
Em 1861, ainda no Brasil Império, o Decreto nº 1.144 estendeu os efeitos civis aos casamentos religiosos de pessoas que professassem religiões distintas da Católica.
Posteriormente, em 1890, já no Brasil República, foi editado o Decreto nº 181, passando a valer apenas o casamento civil. Esse decreto estabeleceu regras detalhadas para a celebração dos casamentos, incluindo impedimentos e formalidades. Com isso, a Igreja Católica perdeu o controle sobre os casamentos, passando a ser reconhecidos juridicamente apenas os realizados sob a tutela do Estado.
O Código Civil de 1916 manteve apenas o casamento civil como requisito para reconhecimento legal, mas, em 1950, uma nova mudança legislativa ocorreu com a edição da Lei nº 1.110, que estabeleceu que o casamento religioso poderia ter efeitos civis, desde que atendesse às exigências legais e fosse devidamente registrado.
Na mesma linha, em 1973 foi promulgada a Lei de Registros Públicos (Lei nº 6.015/1973), consolidando a possibilidade de o casamento religioso produzir efeitos civis mediante registro. Essa legislação foi reforçada pela Constituição Federal de 1988, que manteve essa previsão em seu art. 226, § 2º.
O Código Civil de 2002, instituído pela Lei nº 10.406/2002, reafirmou que o casamento religioso, desde que registrado, tem os mesmos efeitos do casamento civil.
3. O CASAMENTO RELIGIOSO HOJE:
Atualmente, as normas sobre o casamento religioso no Brasil encontram-se na Constituição Federal, no Código Civil e na Lei de Registros Públicos (Lei nº 6.015/1973, alterada pela Lei nº 14.382/2022), todas mencionadas.
A Lei de Registros Públicos consolidou as regras para a realização dos casamentos, estabelecendo que apenas o casamento civil ostenta efeitos jurídicos. No entanto, os casamentos religiosos podem ser convalidados desde que os nubentes preencham os requisitos e registrem o casamento no cartório de registro civil de sua comarca.
O ordenamento jurídico atual permite que os interessados se habilitem perante o oficial de registro antes ou mesmo após o casamento religioso, facilitando a conversão do casamento religioso em casamento civil.
A Lei nº 14.382/2022, alterando a Lei de Registros Públicos, introduziu inovações ao processo, permitindo a apresentação de documentos de forma eletrônica no pedido de habilitação, tornando o procedimento mais acessível.
4. FORMALIDADES PRÉVIAS:
O casamento, sendo um ato jurídico formal, regra geral, exige habilitação prévia dos nubentes, que devem comparecer ao cartório de registro civil com os documentos necessários, podendo encaminhá-los de forma eletrônica. Esse procedimento visa comprovar a inexistência de impedimentos legais para o matrimônio.
Após a análise dos documentos, o cartório emite a certidão de habilitação, válida por 90 dias.
5. FORMALIDADES NO ATO DA CELEBRAÇÃO:
i. Formalidades Relativas à Documentação:
Para os protestantes ou evangélicos, o casamento religioso não é considerado um sacramento. Portanto, ele não tem validade sem o devido registro no cartório.
O casamento religioso só pode ser realizado mediante a apresentação da certidão de habilitação emitida pelo cartório. Após a cerimônia, o ministro religioso deve elaborar um termo de casamento, assinado pelos nubentes, pelas testemunhas e pelo próprio celebrante.
ii. Formalidades Relativas às Testemunhas:
Se o casamento ocorrer dentro da igreja, são exigidas duas testemunhas. Se for realizado fora da igreja, exige-se quatro testemunhas. Todas devem ser maiores de idade e plenamente capazes.
Alguns cartórios não admitem que pais ou filhos figurem como testemunha de casamento de seus parentes.
iii. Formalidades Relativas à Celebração:
O casamento é um ato solene, exigindo cumprimento rigoroso da lei. A lei chama o ato de celebração de “solenidade”. Art. 1.533 do Código Civil.
A data e o local da cerimônia devem ser previamente divulgados, e o local onde será celebrado deve permanecer com as portas abertas durante todo o ato.
Durante a cerimônia, o ministro religioso deve questionar os noivos, que comparecerão pessoalmente ou por procurador, sobre sua vontade de casar-se de forma livre e espontânea. Art. 1.535 do Código Civil.
A resposta à pergunta do celebrante deve ocorrer de forma solene, inciso I do Art. 1.538, sendo a recusa em afirmar que é sua vontade se casar, vontade essa que é livre e espontânea ou demonstrar qualquer sinal de arrependimento, a solenidade deverá ser imediatamente suspensa. Art. 1538.
Após a aceitação solene (formal) por parte dos noivos, o celebrante deve declarar:
“De acordo com a vontade que ambos acabais de afirmar perante mim, de vos receberdes por marido e mulher, eu, em nome da lei, vos declaro casados.”
5. FORMALIDADES APÓS A CELEBRAÇÃO:
O ministro religioso deve encaminhar o termo de casamento ao cartório, para que o registro civil seja realizado dentro de 90 dias. Caso contrário, será necessária nova habilitação.
O termo de casamento deve ser encaminhado ao cartório pelo ministro religioso ou pelos noivos, que deverão reconhecer firma do celebrante, no prazo máximo de 90 dias. Caso contrário, será necessária nova habilitação.
O termo de casamento deve conter as seguintes informações:
Art. 1.536. Do casamento, logo depois de celebrado, lavrar-se-á o assento no livro de registro. No assento, assinado pelo presidente do ato, pelos cônjuges, as testemunhas, e o oficial do registro, serão exarados:
I – os prenomes, sobrenomes, datas de nascimento, profissão, domicílio e residência atual dos cônjuges;
II – os prenomes, sobrenomes, datas de nascimento ou de morte, domicílio e residência atual dos pais;
III – o prenome e sobrenome do cônjuge precedente e a data da dissolução do casamento anterior;
IV – a data da publicação dos proclamas e da celebração do casamento;
V – a relação dos documentos apresentados ao oficial do registro;
VI – o prenome, sobrenome, profissão, domicílio e residência atual das testemunhas;
VII – o regime do casamento, com a declaração da data e do cartório em cujas notas foi lavrada a escritura antenupcial, quando o regime não for o da comunhão parcial, ou o obrigatoriamente estabelecido.
Informe-se junto ao cartório se eles têm algum modelo de termo de registro, isso facilitará a confecção e evitará que o Cartório recuse o termo apresentado pelo celebrante.
6. IMPEDIMENTOS E RESPONSABILIDADE DO CELEBRANTE:
A legislação estabelece impedimentos matrimoniais e causas suspensivas para evitar fraudes e proteger direitos.
Se o celebrante tiver conhecimento da existência de um fato impeditivo deve recusar-se a celebrar o casamento, ainda que os noivos possuam a certidão de habilitação emitida.
Impedimentos matrimoniais incluem:
Casamento entre ascendentes e descendentes;
Irmãos, colaterais até o terceiro grau;
Pessoas casadas;
Viúvo(a) com condenado por homicídio do ex-cônjuge.
Causas suspensivas incluem:
Viúvo(a) que não realizou partilha de bens;
Viúva que não aguardar 10 meses antes de um novo casamento, salvo prova de não gravidez;
Divorciado(a) sem partilha de bens homologada;
Tutor ou curador com a pessoa tutelada/curatelada.
7. CONCLUSÃO:
O casamento religioso com efeito civil é uma alternativa válida para aqueles que desejam formalizar sua união no âmbito religioso sem renunciar à validade jurídica.
No entanto, para produzir efeitos legais, é indispensável seguir as exigências da legislação, garantindo o cumprimento das formalidades antes, durante e depois da cerimônia.
O correto cumprimento dos trâmites evita problemas futuros e assegura a validade do casamento tanto no âmbito civil como religioso, produzindo seus efeitos jurídicos.
Por fim, se você tem alguma dúvida ou deseja modelo do requerimento a ser encaminhado ao Cartório e do termo de assento a ser elaborado pela igreja, encaminhe um e-mail para o endereço zeres.sousa@gmail.com e nós os encaminharemos.
8. ANEXO I
ROTEIRO PARA OS NOIVOS QUE DESEJAM CELEBRAR O CASAMENTO RELIGIOSO COM EFEITO CIVIL
Comunique ao seu pastor ou celebrante de casamento religioso que você deseja se casar com efeito civil na mesma cerimônia;
1. Pergunte se a igreja à qual o celebrante está vinculada pode emitir um requerimento ao Cartório, isso não é exigido por lei, mas facilita para o cartório. Nesse requerimento deve conter os nomes e a qualificação dos noivos, o nome da Igreja, com CNPJ, o nome, o CPF e a qualificação do celebrante, a data e o local da cerimônia;
2. Caso o Cartório escolhido não aceite o requerimento acima, vá ao Cartório ou encaminhe de forma digital os documentos exigidos entre 60 e 30 dias antes da data desejada, com todas as informações que devem constar no requerimento mencionado no item 1.
3. Antes, providenciem uma certidão de nascimento recente com até 90 (noventa) dias de emitida. Essa é uma exigência dos cartórios, pois na sua certidão de nascimento consta se você foi casado, se está casado ou divorciado etc.
4. Se você for divorciado ou viúvo deve levar uma certidão de casamento com averbação de divórcio ou averbação do óbito do seu cônjuge falecido, também atualizada, emitida com menos de 90 dias;
5. Os noivos devem ir ao cartório mais próximo da residência acompanhados dos documentos exigidos e duas testemunhas maiores de 18 anos. Se as testemunhas escolhidas forem seus pais, perguntem antes no Cartório, porque alguns não aceitam que pais e filhos sejam testemunhas.
6. Informem-se se o cartório tem algum modelo de termo de casamento religioso, aquele que vocês assinarão durante a cerimônia. Porque alguns cartórios exigem modelo próprio, outros aceitam o modelo da Igreja.
7. Ao serem conduzidos pelo celebrante, assinem o termo de casamento e ao serem perguntados respondam SIM, de forma audível, sem brincadeiras. É um ato solene.
8. O ministro religioso deve reconhecer firma no termo de casamento religioso com efeito civil.
9. O termo de casamento religioso deve ser entregue de volta no Cartório para o devido registro e a certidão e a habilitação emitida previamente pelo Cartório fica com o ministro religioso para registro da igreja;
Seguindo o passo-a-passo seu casamento ocorrerá sem intercorrências e você terá em mãos a certidão que é a prova de que você é casado.
Texto escrito por:
Zeres Henrique de Sousa
OAB- Distrito Federal 41.856
Advogada especialista em Direito para Igrejas