1. OBJETIVO:
Trata-se de uma análise, sem a intenção de esgotar o tema, sobre a situação previdenciária e fiscal dos Ministros de Confissão Religiosa e profissionais assemelhados que prestam serviço sem vínculo empregatício com as organizações religiosas, mas que recebem remuneração em razão da atividade desempenhada.
É um tema que tem trazido muitas dúvidas tanto aos prestadores de serviço quanto aos líderes das organizações religiosas e levado muitos a viverem na informalidade, deixando de usufruir os direitos que a lei lhe oferta e deixado de cumprir com os deveres que a lei lhe impõe.
No intuito de chamar a atenção aos que de alguma forma possuam ligação com o tema, seja por exercerem as funções de ministros de confissão religiosa e assemelhados, seja por exercerem a liderança de alguma organização religiosa e desse modo serem responsáveis pelo cumprimento das obrigações acessórias relacionadas às organizações religiosas, apresentamos, de forma sucinta, os tópicos a seguir, esperando que seja útil.
2. NATUREZA DA ATIVIDADE:
No exercício de sua atividade, geralmente, os ministros de confissão religiosa, membros de instituto de vida consagrada, de congregação ou de ordem religiosa, não possuem vínculo empregatício com as instituições religiosas às quais servem, desde que o serviço prestado tenha cunho eminentemente religioso e vocacional.
Esse tem sido o entendimento reiterado em várias decisões judiciais nas quais se discute a existência ou não de vínculo trabalhista entre os religiosos que prestam serviço e as instituições religiosas às quais servem.
Corroborando o já consagrado entendimento jurisprudencial, foi sancionada em 2023 a Lei 14.467, de agosto de 2023, alterando o artigo 442 da Consolidação das Leis Trabalhistas, que passou a vigorar com o seguinte teor:
Art. 1º O art. 442 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, passa a vigorar acrescido dos seguintes §§ 2º e 3º, numerando-se o atual parágrafo único como § 1º:
“Art.442 …………….
§ 1º ……………….
§ 2º Não existe vínculo empregatício entre entidades
religiosas de qualquer denominação ou natureza ou
instituições de ensino vocacional e ministros de confissão
religiosa, membros de instituto de vida consagrada, de
congregação ou de ordem religiosa, ou quaisquer outros que
a eles se equiparem, ainda que se dediquem parcial ou
integralmente a atividades ligadas à administração da
entidade ou instituição a que estejam vinculados ou estejam
em formação ou treinamento.
A Lei inclusive trouxe de forma expressa que as atividades administrativas praticadas pelos religiosos nas instituições religiosas de igual modo não configuram vínculo empregatício, portanto, não estão sujeitas às Leis Trabalhistas.
Na mesma linha de entendimento, na edição da Solução de Consulta COSIT nº 264/2017, a Receita Federal do Brasil trouxe o fundamento que “os ministros de confissão religiosos não têm vínculo empregatício com a pessoa jurídica pagadora (igreja, etc), pois inexiste contrato de trabalho com a organização religiosa, sendo os valores por eles recebidos caracterizados como rendimentos do trabalho não assalariado”.
Ainda, na Classificação Brasileira de Ocupações publicadas pelo Ministério do Trabalho e Emprego em 2010, o código 2631 traz a descrição sumária das atividades relacionadas da seguinte forma:
a. Realizam liturgias, celebrações, cultos e ritos;
b. Dirigem e administram comunidades;
c. Formam pessoas segundo preceitos religiosos das
diferentes tradições;
d. Orientam pessoas;
e. Realização ação social na comunidade;
f. Pesquisam a doutrina religiosa;
g. Transmitem ensinamentos religiosos;
h. Praticam vida contemplativa e meditativa;
i. Preservam a tradição e, para isso, é essencial o
exercício contínuo de competências pessoais específicas.
Para cada uma das atividades acima, o relatório de áreas de atividades discriminou detalhadamente as tarefas pertinentes a cada um dos itens, sendo importante que o interessado pesquise em qual das áreas sua atividade se enquadra dentro do código 2631 e suas subdivisões: 2631-05, 2631-10 e 2631-15.
Consta, ainda, na CBO a natureza do trabalho a ser enquadrado no código referido:
“Os profissionais podem desenvolver suas atividades como
consagrados ou leigos, de forma profissional ou voluntária,
em templos, igrejas, sinagogas, mosteiros, casas de santo e
terreiros, aldeias indígenas, casas de culto etc.
Também estão presentes em universidades e escolas, centros de
pesquisa, sociedades beneficentes e associações religiosas,
organizações não-governamentais, instituições públicas e
privadas.
Uma parte de suas práticas tem caráter subjetivo e pessoal e é
desenvolvida individualmente, como a oração e as atividades
meditativas e contemplativas; outra parte se dá em grupo,
como a realização de celebrações, cultos etc.
Nos últimos anos, em várias tradições, tem havido um
movimento na direção da profissionalização dessas ocupações,
para que possam se dedicar exclusivamente às tarefas
religiosas em suas comunidades. Nesses casos, os
profissionais são por elas mantidos
(http://www.mtecbo.gov.br/cbosite/pages/pesquisas/ResultadoFamiliaAtividades.jsf).
Existe, assim, um amparo legal e um reconhecimento por parte do nosso ordenamento jurídico e pela jurisprudência no sentido de que o exercício da ocupação religiosa seja ela como profissional ou como voluntário não configura vínculo empregatício com a instituição religiosa.
De outro lado, a pessoa que exerce atividade religiosa é contribuinte obrigatório da previdência social, podendo, assim, usufruir dos benefícios decorrentes dessa situação, os quais serão discriminados em tópico próprio.
3. VÍNCULO EMPREGATÍCIO – EXCEPCIONALIDADE:
No tópico anterior, discorremos sobre a inexistência de vínculo empregatício entre o religioso e a instituição religiosa para a qual presta serviços, seja de forma profissional ou voluntária.
Existem, contudo, situações em que o vínculo empregatício emerge da forma como a relação do religioso com a instituição acontece, enquadrando-se perfeitamente nas regras trabalhistas, conforme preceitua a própria lei, regulando as hipóteses de desvirtuamento da finalidade religiosa:
§ 3º O disposto no § 2º não se aplica em caso de
desvirtuamento da finalidade religiosa e voluntária.”
Exemplo de situação em que o vínculo empregatício foi reconhecido:
VÍNCULO DE EMPREGO. PASTOR DE IGREJA. CARACTERIZAÇÃO.
O trabalho religioso, inclusive quando prestado
gratuitamente, é admitido e, mais do que isso, protegido pelo
ordenamento jurídico pátrio, sobretudo como forma de garantir
e tutelar a liberdade religiosa que constitui importante
direito humano e fundamental reconhecido nos mais diversos
documentos jurídicos internacionais (e.g. art. 18, Declaração
Universal dos Direitos Humanos; art. 18, especialmente § 1º e
§ 4º, do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos da
ONU; art. 12 e art. 16 da Convenção Americana de Direitos
Humanos) e, em plano nacional, na própria Constituição
Federal (art. 5º, VI e VIII).
Como regra, portanto, o Estado deve abster-se de interferir e exercer ingerência em questões interna corporis das associações e instituições religiosas, sob pena de afrontar a liberdade religiosa destes organismos e dos seus fiéis, de modo que a presença dos pressupostos fático-jurídicos estabelecidos nos artigos 2º e 3º da Consolidação das Leis do Trabalho não podem ser lidos da mesma maneira que aos demais trabalhadores.
É certo, todavia, que a proteção prevista na lei é aplicável apenas às hipóteses em que o trabalho possui, de fato, natureza religiosa, não se prestando a frustrar a aplicação da legislação do trabalho nas situações em que inquestionavelmente se verifique o desvirtuamento e a “mercantilização” da atividade religiosa.
Nesse sentido, a recente alteração legislativa, promovida pela Lei n. 14.647/2023, determinou que o disposto no citado § 2º do art. 442 da CLT “não se aplica em caso de desvirtuamento da finalidade religiosa e voluntária”, incorporando a sedimentada jurisprudência construída no âmbito do C. Tribunal Superior do Trabalho.
Com efeito, embora excepcional, é cabível o reconhecimento do vínculo empregatício mantido entre ministros de confissão religiosa, membros de instituto de vida consagrada, de congregação ou de ordem religiosa, ou quaisquer outros que a eles se equiparem, com as respectivas entidades religiosas, desde que robustamente demonstrado o desvirtuamento da atividade religiosa, além da presença dos pressupostos fático-jurídicos da relação empregatícia previstos nos art. 2º e 3º da Consolidação das Leis do Trabalho. (TRT-3 – ROT: 0010216-13.2022.5.03.0140, Relator: Convocada Adriana Campos de Souza Freire Pimenta, Primeira Turma)”
A Lei trouxe exceção à regra da ausência de vínculo empregatício, nas situações já contempladas pela jurisprudência em que há um desvirtuamento e a “mercantilização” da atividade religiosa.
Exemplo de desvirtuamento da fé religiosa e consequente reconhecimento do vínculo empregatício ocorreu no caso julgado pelo TRT-18, ROT: 0011381-98.2022.5.18.0004, cujos contornos foram assim delineados:
PASTOR DE IGREJA. VÍNCULO EMPREGATÍCIO. DESVIRTUAMENTO
INSTITUCIONAL. Desvirtua-se a instituição “que perde o seu
sentido de difusão de uma determinada fé, para transformar-se
em ‘mercadora de Deus’, estabelecendo um verdadeiro
‘comércio’ de bens espirituais, mediante pagamento”. Nesse
caso, a instituição “aparenta finalidade religiosa”, mas
dedica-se “a explorar o sentimento religioso do povo, com
fins lucrativos”, e esse “caráter ‘comercial’ da ‘igreja’
permite que seja reconhecido o vínculo empregatício entre os
‘pastores’ e a instituição” (TST, AIRR-148200-
76.2009.5.04.0751, Rel. Min. Ives Gandra Martins Filho, 7ª
Turma, j. 5/9/2012). (TRT-18 – ROT: 0011381-98.2022.5.18.0004,
Relator: MARIO SERGIO BOTTAZZO, 1ª TURMA).
Fica aqui o alerta tanto aos religiosos quanto às instituições para que o serviço prestado não configure relação de emprego se não é essa a intenção.
É que não é proibido que o contrato com a instituição religiosa se dê na forma de vínculo empregatício pela CLT se é essa a vontade da instituição e do religioso.
Fica ainda o alerta no sentido de que caso seja reconhecido posteriormente o vínculo empregatício por meio de Reclamação Trabalhista, a instituição terá que arcar com o pagamento de verbas trabalhistas onerando de forma substancial o orçamento da instituição.
Cuidado! Haja de forma legal e evite problemas!
4. IMPOSTO DE RENDA PESSOA FÍSICA
4.1. RENDIMENTOS TRIBUTÁVEIS:
Embora a Constituição Federal em seu artigo 150 tenha instituído a imunidade tributária das organizações religiosas, que recai sobre o patrimônio, a renda e os serviços relacionados com as finalidades essenciais das entidades religiosas, inciso VI, letra b, § 4º da Constituição Federal, a renda decorrente da atividade religiosa, embora não configure remuneração direta ou indireta, é passível do recolhimento do Imposto de Renda Pessoa Física. Assim, os Ministros de Confissão Religiosa terão seus rendimentos tributáveis a depender da soma anual e da legislação vigente do Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF).
Todavia, a organização religiosa, mesmo detentora da imunidade tributária submete-se ao cumprimento das obrigações acessórias, dentre elas a retenção do Imposto de Renda Pessoa Física, por meio do documento próprio, incidentes sobre a remuneração de seus religiosos, mesmo não havendo relação de emprego.
Art. 178. As imunidades, as isenções e as não incidências de
que trata este Capítulo não eximem as pessoas jurídicas das
demais obrigações previstas neste Regulamento, especialmente
aquelas relativas à retenção e ao recolhimento de impostos
sobre rendimentos pagos ou creditados e à prestação de
informações ( Lei nº 4.506, de 1964, art. 33 ).
Parágrafo único. A imunidade, a isenção ou a não incidência que
beneficia a pessoa jurídica não aproveita aos que dela
percebam rendimentos sob qualquer título e forma ( Decreto-Lei
nº 5.844, de 1943, art. 31 ; e Lei nº 5.172, de 1966 – Código
Tributário Nacional, art. 9º, § 1º ).
Nesse ponto, é importante destacar que a Receita Federal do Brasil tem empreendido esforços no sentido de rastrear as movimentações financeiras, a exemplo da edição da Instrução Normativa nº 2.219 de setembro de 2024 que obriga as instituições financeiras a remeterem relatório das movimentações de seus usuários.
4.2. BASE DE CÁLCULO – VERBAS ISENTAS:
A base de cálculo do Imposto de Renda Pessoa Física é o valor do rendimento, abatidos os valores pagos à previdência social.
A Lei 7.713/88, em seu artigo 6º, apresenta um rol das verbas que são isentas da contribuição do Imposto de Renda Pessoa Física, destacando-se dentre elas, as seguintes:
Art. 6º Ficam isentos do imposto de renda os seguintes
rendimentos percebidos por pessoas físicas:
I – a alimentação, o transporte e os uniformes ou vestimentas
especiais de trabalho, fornecidos gratuitamente pelo empregador
a seus empregados, ou a diferença entre o preço cobrado e o
valor de mercado;
II – as diárias destinadas, exclusivamente, ao pagamento de
despesas de alimentação e pousada, por serviço eventual
realizado em município diferente do da sede de trabalho;
Caso a organização religiosa tenha estabelecido o pagamento de auxílio alimentação, auxílio transporte, ou pagamento eventual de despesas de viagem, desde que comprovadas, referidas verbas são isentas do Imposto de Renda Pessoa Física. Cuidado, tudo isso deve estar bem demonstrado com os comprovantes devidamente arquivados.
No caso dos Ministros Evangélicos, cujo recolhimento para a previdência social é feito com base em valor por ele próprio declarado, o ideal é que haja uma comunicação com a organização religiosa para o fim de obter a base de cálculo para o recolhimento do Imposto de Renda Pessoa Física, observando a tabela escalonada.
5. COMO REGULARIZAR:
Finalmente, se você é o responsável por alguma organização religiosa, ministros de culto, missionário, teólogo ou exerce atividade assemelhada, descrita na Classificação Brasileira de Ocupações, código 2631, e se encontra em situação irregular tanto com a Previdência Social quanto com a Receita Federal do Brasil procure um profissional especializado e usufrua dos direitos que a lei lhe oferta e ao mesmo tempo cumpra os deveres que a lei lhe impõe.
Busque auxílio de um advogado especialista.
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Artigo escrito por Zeres Henrique de Sousa, advogada especialista em Direito para Igrejas e por Juliana Paulini, advogada especialista em Direito Previdenciário, sócias do Escritório de Advocacia Henrique de Sousa & Paulini Advogados.
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